Um raio x do método de pagamento que virou queridinho dos brasileiros
Aos sábados, a fila começa cedo em frente ao número 466, na Rua Galvão Bueno. Por volta das 10h, pessoas de diferentes idades esperam pela chance de garantir um lugar na fila do Aska. Tanto esforço para conseguir um lugar no reduzido salão do restaurante — que só atende das 11h às 14h — compensa: o Aska é dono de um dos pratos de lámen mais famosos do bairro da Liberdade, em São Paulo.
Talvez tão tradicionais quanto os pratos servidos é a fama do Aska de ser uma das casas de lamen mais baratas da cidade. O que contribuiu muito para que as filas e a espera fossem longas. Com o preço reduzido, também há outra coisa que os amantes de lamen precisam saber sobre a casa: os pagamentos são só em dinheiro.
A história mudou em 2020. Com a pandemia, o salão ficou fechado e o negócio precisou se render às plataformas de entrega para sobreviver. Quando foi possível reabrir o salão, o tradicional restaurante deu mais um passo rumo à digitalização: permitindo que seus clientes fizessem os pagamentos por meio do Pix.
Por meio do método de pagamento instantâneo, os clientes podem pagar suas refeições sem a necessidade de sacar dinheiro em espécie e, mais convenientemente ainda, podem fazer toda a transação diretamente em seus celulares.
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Da Liberdade vamos para o Jardim Botânico, bairro de Porto Alegre (RS). É lá que a microempreendedora Vanessa Fortunato envia para todo o Brasil as bolsas de sua marca Xadrez e Bolinhas. A microempresária fabrica, por mês, 30 kits de bolsas do tipo nécessaire, seu principal produto. O negócio ainda depende bastante de indicações e das redes sociais para atrair novos consumidores.
Vanessa explica que chegou a criar uma conta para que fosse possível emitir boletos, mas o Pix trouxe uma facilidade muito maior para as vendas.
“Antes, o meio de pagamento que mais era utilizado aqui era o depósito em conta. Mas, para muitos clientes era um incômodo ter que ir ao banco e eu acabava perdendo as vendas. Depois que o Pix se popularizou, minhas vendas até dobraram por conta da facilidade”, conta Vanessa.
Os casos acima ilustram a revolução silenciosa trazida pelo sistema de transferências instantâneas Pix, lançado pelo Banco Central do Brasil em novembro de 2020. Completando dois anos neste mês, o Pix tem mais de 138 milhões de usuários e já realizou mais de 26 bilhões de transações desde seu lançamento, de acordo com levantamento realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Só em setembro, foram realizadas 2,3 bilhões de transações, período no qual foram movimentados R$ 1,02 trilhão, segundo dados do BC. Desde seu lançamento, a Febraban estima que a ferramenta tenha sido usada para transacionar R$ 12,9 trilhões.
Antes e depois do Pix
O time da Neoway conversou com especialistas sobre os impactos do Pix. E, para o professor de Contabilidade da Universidade de São Paulo (USP- Ribeirão Preto) Marcelo Botelho, estamos diante de uma oportunidade única para incluir cada vez mais brasileiros no sistema bancário e financeiro do país.
Para falar dos impactos do Pix, é preciso entender as necessidades que são supridas com a solução. A tecnologia serve como instrumento para transferência de recursos entre contas de forma rápida, gratuita e que funciona para pequenas e grandes transferências, explica o professor da Universidade de São Paulo Cláudio Lucinda.
“O Pix vem suprindo uma necessidade muito grande e o efeito dele sobre a atividade econômica vai ser especificamente nos setores em que essa demanda era mais clara. Para a atividade econômica, principalmente, sobre comércio e serviços em geral, temos um grande impacto”, explica Lucinda.
Some a isso dois dados de consumo relevantes sobre os brasileiros:
- O Brasil tem mais smartphones do que habitantes, segundo levantamento anual divulgado pela FGV. São 242 milhões de celulares inteligentes em uso no país, que tem pouco mais de 214 milhões de habitantes, de acordo com o IBGE.
- O perfil “early adopter” dos consumidores nacionais, que gostam de estar entre os primeiros a usarem um novo recurso ou tecnologia.
De fato, o método de pagamento já vem ganhando terreno sobre outros formatos de transferências como TED e DOC e formatos de cobrança como os boletos bancários. No entanto, o Pix ainda não compete em igualdade de termos com os pagamentos parcelados no cartão de crédito, por exemplo.
Desafios de segurança
Com um método tão ágil e acessível para transferência de dinheiro, a segurança é certamente um desafio para o Pix. Com a popularização do sistema, cresceram as notícias sobre as tentativas de golpe envolvendo sequestros-relâmpago e outros formatos de fraude.
Para o professor Marcelo Botelho toda tecnologia tem riscos operacionais, que se dividem em três partes: tecnologia, processos e pessoas.
“Isso vale para uma empresa e para uma pessoa que tem acesso a conta bancária pelo celular. A tecnologia em si é muito segura, tanto por parte do Pix que é um sistema centralizado quanto por parte das instituições bancárias.Mas, quando falamos em processos e pessoas, temos algumas janelas abertas — os assaltos e sequestros no Brasil são problemas de política pública. A culpa não é da tecnologia”, comenta Botelho.
Como resposta aos casos de ação criminosa, o Banco Central segue atualizando as políticas de segurança do Pix e evoluindo a solução. Uma das primeiras medidas foi a restrição dos valores de transferência no período noturno.
Segundo o Banco Central, a segurança faz parte do desenho do Pix desde seu princípio, e é priorizada em todos os aspectos do ecossistema, “inclusive em relação às transações, às informações pessoais e ao combate à fraude e lavagem de dinheiro”.
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A segurança do Pix está pautada em quatro dimensões:
- Autenticação do usuário: toda e qualquer transação, inclusive aquelas relacionadas ao gerenciamento das chaves Pix, só pode ser iniciada em ambiente seguro da instituição de relacionamento do usuário. E esse acesso é controlado por senha, reconhecimento biométrico, token ou outros;
- Rastreabilidade das transações: todas as operações com o Pix são totalmente rastreáveis, o que permite a identificação das contas recebedoras de recursos produtos de fraude/golpe/crime. O que permite a ação mais incisiva da polícia e da Justiça, o que não acontece com saques em caixas eletrônicos, por exemplo;
- Tráfego seguro de informações: o tráfego das informações das transações é feito de forma criptografada na Rede do Sistema Financeiro Nacional (RSFN), que é uma rede totalmente apartada da internet e na qual cursam as transações do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Todos os participantes do Pix têm que emitir certificados de segurança para conseguir transacionar nessa rede. As informações das transações e os dados pessoais vinculados às chaves Pix são armazenados de maneira criptografada em sistemas internos do BC;
- Regras de funcionamento do Pix: o regulamento do Pix prevê medidas que mitigam o risco de fraudes, como, por exemplo: a previsão de que os participantes do Pix (instituições financeiras e de pagamentos que ofertam o Pix a seus clientes) devem se responsabilizar por fraudes no âmbito do Pix decorrentes de falhas nos seus mecanismos de gerenciamento de riscos; mecanismos de proteção, pelo BC e pelas instituições, que impedem varreduras de informações pessoais relacionadas a chave Pix; a possibilidade de colocação de limites máximos de valor de transferências por parte dos usuários e das instituições financeiras, dentre outros.
Saiba mais sobre o desafio de combater fraudes no Pix:
“Pix Internacional” e o “Real digital”: o futuro
O simples fato de pequenos empreendedores receberem pagamentos de forma instantânea, digital e descomplicada desbloqueou um potencial imenso para a economia. Mas, e se esse tipo de facilidade acontecesse no cenário internacional?
Apesar de ser um termo citado em vários conteúdos, ainda não existe nada parecido com um Pix Internacional. No entanto, há alguns testes para um sistema de pagamentos que possa unir mais de 60 países, mas com nome diferente.
O Nexus é um sistema unificado que está em desenvolvimento desde 2021 pelo time do hub de inovação do Bank Of International Settlements (BIS), na Suíça. A ideia é que os consumidores possam gastar no exterior sem a necessidade de um cartão de crédito internacional.
A iniciativa é recebida com bons olhos pelo professor Lucinda:
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O professor Lucinda faz questão de lembrar que o sistema financeiro brasileiro sempre foi bastante inovador e que, a cada novo avanço, o sistema inteiro da economia se beneficia.
Na esteira do sucesso das transações instantâneas, o Banco Central está trabalhando na criação de uma moeda digital brasileira. A versão digital do Real teria o mesmo valor do papel: realizar compras, estipular valores, guardar para o futuro, etc.
A diferença é que, atualmente, o Banco Central só pode emitir dinheiro por meio de notas e moedas em espécie. Com a criação de uma moeda digital, a instituição também poderia colocar em circulação moedas que nunca foram impressas. E isso muda até mesmo o paradigma do dinheiro.
A experiência totalmente digital com Real ainda deve demorar para realmente acontecer, mas já mostra que o Pix é só o começo de uma evolução que ainda não chegou em seu estágio mais avançado.