Em sua primeira viagem internacional após a posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi à Argentina reacender a proposta de criar uma moeda comum a ser adotada pelo Brasil e o país vizinho em suas relações comerciais.
A moeda comum é uma iniciativa para tentar reduzir a dependência do uso do dólar nas transações entre os dois países, mas a sugestão abriu um intenso debate. E para saber mais sobre essa proposta e como isso já acontece em outras partes do mundo, confira a seguir.
Seria o fim do real?
A moeda comum não vai substituir o real, nem o peso (moeda argentina).
Esse tipo de moeda não entra em circulação, nem é usada pela população. Seria uma moeda digital usada apenas em trocas comerciais para reduzir a dependência em relação ao dólar nas transações entre Brasil e Argentina.
É possível que falhas nas comunicações e até má interpretação dos discursos gerem confusão quanto à nomenclatura da moeda. Isso porque a criação de uma moeda comum não significa uma moeda única.
Quando adotada uma moeda única, cada um dos países envolvidos renuncia a sua moeda nacional para adoção de uma nova moeda. Que foi o que aconteceu na União Européia com a criação do euro, em 2002.
Já a moeda comum é uma moeda de referência, um modelo em que os países envolvidos não deixam de utilizar suas moedas nacionais, apenas passam a ter um padrão monetário alternativo para facilitar e ampliar as trocas comerciais.
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Moeda comum X Moeda única
A lógica de uma moeda comum na América é uma ideia antiga. A primeira vez que ela apareceu foi nos anos 90, quando alguns blocos econômicos estavam se formando e o Mercosul tentava ser uma opção à ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) — projeto de bloco econômico (proposto pelos Estados Unidos) que queria unir países das Américas do Sul, Central e do Norte.
Desde a fundação do Mercosul, em 1991, a ideia de criação de uma moeda comum para o bloco é tema recorrente, já que esse é o passo natural após a criação de um Mercado Comum. Entretanto, sempre que o tema é resgatado, a ideia é vista com desconfiança.
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é uma União Aduaneira, o que resulta no livre comércio entre os membros do bloco e na aplicação de uma Tarifa Externa Comum (TEC) para a importação de itens de países fora do grupo.
Quando se fala em moeda única, inevitavelmente, a grande referência é o euro — moeda criada na Zona do Euro da União Europeia (UE). Contudo, ao contrário do Mercosul, que é um bloco intergovernamental, a União Europeia optou por ser uma instituição supranacional. Ou seja, seus países membros renunciam à soberania em alguns temas, como é o caso da política monetária entre os países da Zona do Euro.
O euro foi implementado dez anos depois de ter sido planejado, permitindo que os países tivessem tempo para realizar as adequações necessárias. A circulação em papel-moeda teve início em 1º de janeiro de 2002 em 12 países. Hoje, a Zona do Euro é composta por 20 dos 27 países da UE.
Portanto, para se criar uma moeda única ao Mercosul (que seria utilizada por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), todos os países teriam que passar por etapas de uma integração econômica regional, que incluem:
- zona de livre comércio perfeita;
- união aduaneira com a adoção integral da Tarifa Externa Comum;
- mercado comum, com livre circulação de pessoas e capitais;
- harmonização de políticas macroeconômicas; e
- integração total das cadeias produtivas.
Assim como a moeda única, a moeda comum também já vem sendo utilizada em outros lugares. A China, por exemplo, com seus países satélites (Laos, Vietnã e Camboja), faz trocas comerciais com uma moeda de referência.
Quais as vantagens de uma moeda comum para o Brasil?
Na recente conversa entre os líderes de Brasil e Argentina, apenas conjecturas foram apresentadas, mas, mesmo que fossem propostas concretas, qualquer decisão demoraria anos para ser implementada.
De qualquer forma, a criação de uma moeda comum traz oportunidades e desafios para os países envolvidos. Isso porque facilita a troca de bens e serviços dentro do bloco, amplia o fluxo de fatores de produção e, com um controle inflacionário efetivo, possibilita um planejamento econômico de longo prazo, atraindo investimentos estrangeiros para toda a região.
Por outro lado, uma moeda comum reduziria a autonomia monetária dos governos nacionais e aumentaria a concorrência econômica no bloco, o que, no caso, seria benéfico para segmentos brasileiros mais competitivos, mas traria desafios para outros com menor vantagem competitiva.